Basta percorrer por entre as caras felizes e descoladas do Facebook. Entre uma e outra mensagem fofa do Caio Fernando Abreu (que ninguém leu) ou de Clarice Lispector, geralmente piegas, vamos encontrar inevitavelmente uma imagem-montagem de pseudo-indignação.
Pode ser uma acusação contra a classe política, ou crítica a alguma decisão judicial (não condizente com o que se esperava). Mas estará sempre lá, a reclamação séria, curta e grossa, apontando o dedo para as mazelas brasileiras. Curiosamente, tais mazelas costumam coincidir com o último “furo” midiático. Deputado ou Senador ladrão, gastos com a Copa do Mundo (houve muita bandalheira, mas já comprei meu ingresso divido em 12 vezes).
Dias atrás atendi a um cliente que solicitava aumento no limite do cartão (sou empregado de um banco). Perguntei-lhe se ganhava mais do que declarara no ato de abertura da conta, pois, naturalmente, limites de crédito refletem a capacidade financeira do pagador. Ele disse que recebia mais, de fato, mas não “declararia”, porque a Receita Federal iria “pegá-lo”.
Está claro que as pessoas habituaram-se a apontar o dedo para o “Outro” corrupto, sem se enxergarem minimamente como parte da tragédia que denunciam. Não se vêem como engrenagem do mecanismo podre de que fazem parte ativamente. Seja tapeando o Fisco, furando fila ou fechando negócios questionáveis, o que se está fazendo é tão comprometedor quando as atitudes desonestas contra as quais bradam as massas, segurando capas de revistas semanais sensacionalistas. Reclamam do desvio de dinheiro público, mas sonegam imposto. Quando expostos em sua contradição, aí argumentam: já que o Brasil “não tem jeito” (“roqueiros” milionários gostam muito dessa frase), a classe política rouba, então só resta também sonegar, pois eu já sou roubado de qualquer forma.
É esta a visão torta que muitos têem de cidadania. Ser cidadão é, na verdade, pagar impostos – pelo menos a parte que seria legítima, já que sonego porque me roubam, num círculo vicioso moralizante – e exigir um ótimo serviço público, como se o Estado fosse uma boutique de Shopping para o qual empunho raivoso uma cópia do Código de Defesa do Consumidor.
Não que o Estado não esteja obrigado a prestar serviços de qualidade. Pelo contrário, e há muito a melhorar. Mas, eu também não sou uma célula do tecido social, e, por via de consequência, do Estado?
Dia desses um colega de sala na faculdade reclamava dos vereadores. O professor respondeu, “não é interessante como nenhum de nós aqui presentes admite que os elegeu?”. Os políticos sempre foram eleitos pela classe dos pobres, anestesiados por uma “bolsa” qualquer, criada por algum político carismático e interesseiro. (Como se a História nada nos ensinasse sobre como sempre se fez política no Brasil e no mundo, sempre operada e a serviço das elites.)
Nunca é da nossa conta o errado, é sempre o erro do Outro. Apontar o dedo é mais fácil, poupa-nos da prática de uma autocrítica honesta, que nos mostraria, ao menos, que há menos diferença entre mim e o Outro do que se supõe, num observar raso.
A conclusão é escancaradamente óbvia: os políticos, os juízes, as pessoas de destaque, a televisão, o Estado, enfim, todos as figuras de representatividade social revelam as nossas próprias mazelas particulares. Deveríamos nos enxergar neste espelho e, se não o fizermos, corremos o risco de nunca sair do estado letárgico de quem só aponta o dedo e, não se situando, não progride. Nem ajuda a Sociedade a progredir.